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segunda-feira, 25 de março de 2013

Do blog da SBNeC: Depressão na Pós-Graduação e Pós-doutorado


O que fazer com os estudantes e cientistas que não conseguem estudar e pesquisar?

Sergio Arthuro (1)

A imagem de nós cientistas no senso comum, como estereotipada por Einstein, é que somos meio loucos. De fato, como revelado recentemente pela revista Nature, parece que realmente não temos uma boa saúde mental, dada a alta ocorrência de depressão entre pós-graduandos e pós-doutorandos.

Os pós-graduandos são os estudantes de mestrado e de doutorado, enquanto os pós-doutorandos são os recém doutores em aperfeiçoamento, que ainda não conseguiram um emprego estável. Os pós-doutorandos são comuns há muito tempo nos laboratórios da Europa e dos Estados Unidos, já no Brasil este é um fenômeno recente.

Segundo o texto, boa parte dos estudantes de pós-graduação que desenvolvem depressão foram ótimos estudantes na graduação. Lauren, doutoranda em química na Universidade do Reino Unido, começou com dificuldade em focar nas atividades acadêmicas, evoluiu com medo de apresentar a própria pesquisa, e terminou sem nem mesmo conseguir sair da cama. Felizmente, Lauren buscou ajuda e agora está terminando o seu doutorado, tendo seu caso relatado no site de ajuda Students Against Depression, cujo objetivo é “desenvolver a consciência de que a depressão não é uma falha pessoal ou uma fraqueza, mas sim uma condição séria que requer tratamento”, segundo a psicóloga Denise Meyer, que ajudou no desenvolvimento do site.

Para os cientistas em início de carreira, a competição no meio acadêmico pode levar a isolamento, ansiedade e insônia, que podem gerar depressão. Esta pode ser acentuada se o estudante de pós-graduação tiver problemas extracurriculares e/ou com seu orientador. Já que a depressão altera significativamente a capacidade de fazer julgamento racional, o deprimido perde a capacidade de se reconhecer como tal. Aqui, na minha opinião, o orientador tem um papel fundamental, mas que na prática não tenho observado muito: não se preocupar apenas com os resultados dos experimentos, mas também com a pessoa do estudante.

De acordo com o texto, os principais sinais de depressão são: a) inabilidade de assistir as aulas e/ou fazer pesquisa, b) dificuldade de concentração, c) diminuição da motivação, d) aumento da irritabilidade, e) mudança no apetite, f) dificuldades de interação social, g) problemas no sono, como dificuldade para dormir, insônia ou sono não restaurativo (a pessoa dorme muito mas acorda cansada e tem sono durante o dia).

Segundo o texto, a maioria das universidades não tem um serviço que possa ajudar os estudantes de pós-graduação. Não obstante, formas alternativas se mostraram relativamente eficazes. Por exemplo, mestrandos e doutorandos poderiam procurar ajuda em serviços oferecidos a alunos de graduação; já os pós-doutorandos poderiam tentar ajuda em serviços oferecidos a professores, sugerem os autores do texto. A maioria dos tratamentos requer apenas uma sessão em que são discutidas as dificuldades dos estudantes, além de sugestões de como manejar melhor a depressão. Uma das principais preocupações é com relação à confidencialidade, que deve ser quebrada apenas se o profissional sentir que o paciente tem chance iminente de ferir a si ou a outrem. Segundo Sharon Milgram, diretora do setor de treinamento e educação do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, “buscar ajuda é um sinal de força, e não de fraqueza”.

Devo admitir que o texto chamou minha atenção por me identificar com o tema, tanto na minha própria experiência, quanto na de vários colegas de pós-graduação que também enfrentaram problemas semelhantes. Acho que o sistema atual de pós-graduação tem falhas que podem aumentar os casos de depressão, como as descritas a seguir:

1- O próprio nome “Defesa” no caso do doutorado

Tem coisa mais agressiva que isso? Defesa pressupõe ataque, é isso mesmo que queremos? Algumas pessoas vão dizer que os ataques são às ideias e não às pessoas. Acho que isso acontece apenas no mundo ideal, porque na prática o limite entre as ideias e as pessoas que tiveram as ideias é muito tênue. Mas pior é nos países de língua espanhola, pois lá a banca é chamada de “tribunal”.

2- Avaliações pouco frequentes

Em vários casos, principalmente no começo do projeto, as avaliações são pouco frequentes, o que faz com que o desespero fique todo para o final. No meu caso, os últimos meses antes da “Defesa” foram os piores da minha vida, pois tive bastante insônia, vontade de desistir de tudo etc. Pior também foi ouvir das pessoas que poderiam me ajudar que aquilo era “normal” e que “fazia parte do processo”… Isso não aconteceu apenas comigo, mas com vários colegas de pós-graduação. Acho que para fazer ciência bem feita, como todo trabalho, tem que ser prazeroso, e acredito que avaliações mais frequentes podem evitar o estresse ao final do trabalho.

3 – Prazos pouco flexíveis

Cada vez mais me é claro que a ciência não é linear, e previsões geralmente são equivocadas. Dessa forma, acredito que não deveria haver nem mestrado nem doutorado com prazo fixo. O pós-graduando deveria ter bolsa por 5 anos para desenvolver sua pesquisa, e a cada ano elaboraria um relatório sobre suas atividades e resultados. Uma comissão deveria julgar esse relatório para ver se o estudante merece continuar. Como cada caso é um caso, em alguns casos, dois anos já seriam suficiente para ter um resultado que possa ser publicado num jornal científico de reputação. Isso daria ao cientista a possibilidade de bolsa por mais 5 anos, por exemplo, para ele continuar sua pesquisa. Em outros casos, 5 anos de trabalho não é suficiente, o que pode ser por causa da própria complexidade da pesquisa, ou outros motivos como atraso na importação de material etc. Nesse caso, acho que o estudante deveria ter pelo menos mais 3 anos de tolerância para poder concluir sua pesquisa, caso os relatórios anuais sejam aprovados, e o estudante comprove que não é por sua culpa que a pesquisa está demorando mais que o previsto.

Senti falta no texto uma discussão com relação ao fato de que para os futuros cientistas que ainda não tem um emprego definitivo, a ausência de estabilidade financeira é também um fator que contribui para o estado de humor dessa classe tão específica e especial de seres humanos.

(1) Médico, doutor em Psicobiologia e Divulgador Científico

Sugestão de Leitura

Gewin, V. (2012) Under a cloud: Depression is rife among graduate students and postdocs. Universities are working to get them the help they need. Nature 490, 299-301.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Do Estadão: Puxadinho sem fronteiras

Não sou de republicar notícias do Estadão, mas com essa aqui eu concordo plenamente. O original foi publicado em 06 de março de 2013 e pode ser encontrado no link: 

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Com menos de dois anos, o programa Ciência sem Fronteiras, uma iniciativa acertada do governo federal, já começa a mostrar sinais de que está contaminado pela cultura do "puxadinho", que tão bem tem caracterizado a administração da presidente Dilma Rousseff.

O Ciência sem Fronteiras tem como objetivo internacionalizar o ensino superior no País, por meio da concessão de bolsas de estudo em universidades competitivas no exterior. A intenção, alardeia o governo, é "investir na formação de pessoal altamente qualificado nas competências e habilidades necessárias para o avanço da sociedade do conhecimento". Ainda se espera que esse objetivo seja alcançado, porque esse é um dos fatores dos quais depende o pleno desenvolvimento do Brasil, mas multiplicam-se evidências de que, por trás do palavrório repleto de boas intenções e metas ousadas, viceja a conhecida inépcia da administração lulopetista.

Um exemplo escandaloso disso é a decisão do governo de diminuir a exigência de conhecimento de alemão, francês, inglês e italiano para seleção de bolsistas, de modo que os candidatos com nenhum domínio desses idiomas poderão participar do programa. Com a medida, o governo pretende conseguir cumprir sua promessa de enviar 101 mil bolsistas ao exterior até 2015 - até agora, graças em grande parte ao obstáculo do idioma, apenas 22% dessa meta foi atingida. O governo oferecerá aulas intensivas de idiomas, de até dois meses, para tentar compensar a deficiência dos candidatos, mas especialistas salientam que isso não basta, já que os cursos na área tecnológica, principal foco do programa, exigem pleno domínio da língua em que são dados. Em dois meses, é improvável que os bolsistas possam atingir esse nível de proficiência. O governo reduziu a tal ponto a exigência de domínio do inglês que, no caso da seleção de alunos dos Institutos Federais de Educação Tecnológica e das Faculdades de Tecnologia (Fatecs) para estudar nos Estados Unidos, o candidato ganhará a vaga mesmo se não conseguir manter uma conversação básica. Não é possível imaginar que um bolsista com essas credenciais consiga ser bem-sucedido nas melhores universidades americanas e europeias.

Ante a evidente limitação de muitos candidatos, vários deles têm optado por concorrer a bolsas para estudar em Portugal, para driblar o obstáculo da língua. O problema é que a maioria dos bolsistas optou por universidades portuguesas que são consideradas mais fracas que as brasileiras, apesar do Ciência sem Fronteiras propagandear que tem convênios com "as melhores universidades do mundo". Um desses estudantes, ouvido pelo Estado (5/3), disse que o importante não era o curso em si, mas o "contato com a cultura europeia" - uma espécie de turismo à custa dos cofres públicos.

Para tentar contornar o problema, a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) ofereceu a esses alunos em Portugal a oportunidade de estudar nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e em outros países com universidades de ponta - sem necessidade de passar por teste de proficiência.

A precariedade do Ciência sem Fronteiras não é uma novidade. Entre 2011 e 2012, muitos dos estudantes enviados ao exterior receberam da ajuda prometida apenas a passagem aérea, e ficaram um bom tempo sem dinheiro para pagar o aluguel, a alimentação, os livros, o plano de saúde e o transporte.

Essa situação constrangedora é mais uma a revelar as práticas de um governo que precisa produzir continuamente números vistosos para alimentar seus slogans eleitoreiros, enquanto faz remendos grosseiros para esconder a fragilidade de suas alegadas conquistas.

Não se esperava que um programa com essa magnitude fosse isento de problemas e contratempos. No entanto, é notável que, na cartilha da administração petista, quando se trata de corrigir falhas e rumos, recorre-se, como regra, ao improviso. Enquanto isso, o Ciência sem Fronteiras, numa flagrante contradição em termos, seguirá formando esforçados monoglotas.