II LAWCN 2019

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O ex-presidente do presidente

Caros amigos,

como alguns de vocês devem saber, eu sou uma pessoa que se interessa por política. Gosto de a ler e a discutir e, apesar de estar muito longe de ser um expert na área, acho que sou capaz de conversar e entender o tema com razoável propriedade. Felizmente ou não, tenho a forte característica de passionalidade pelo assunto. Ou seja, mais do que racionalizar a política eu a sofro, intensamente. Portanto, é evidente, mesmo para o mais leigo no tema, que meu coração brasileiro tem padecido horrores nestes últimos dias.

Entretanto, apenas dois dias após a absolvição do Renan Canalheiros no senado, essa situação se reverteu, pelo menos um pouco. E essa história eu gostaria de contar aqui.

Nesse mês de setembro, os meus familiares vieram de Belo Horizonte para me visitar em Natal. Eu, como bom anfitrião, resolvi levá-los no que há de melhor em termos de camarão na cidade, que é o restaurante com o nome do bicho, o Camarões, ali a beira-mar em Ponta Negra. O restaurante estava cheio e para agilizar a mesa, deixei o pessoal na fila enquanto fui estacionar o carro. Percebi uma movimentação diferente na rua. Estava mais cheia de carros e pessoas. Um pessoal diferente circulando, parecendo seguranças e escoltas. Enfim, pensei estar imaginando coisas e deixei pra lá.

Foi no reencontro com a minha família, no belo e lotado saguão do Camarões que eu entendi o porque do rebuliço: vossa excelência ex-presidente da república, o senador José Sarney (PMDB-AP) havia acabado de entrar no restaurante. Naturalmente, ele foi imediatamente acomodado na mesa, sem ter que esperar junto aos comuns. Então, fiquei sabendo que ele estava na cidade para fazer o lançamento do seu último livro. Acontece que o Sarney foi o grande articulador no senado para que seus pares votassem absolvendo o presidente da casa, Renan Canalheiros. Este fisiológico senador, pelo que fiquei sabendo (depois lhes conto como), ligou de seu gabinete para cada senador da casa solicitando conversas particulares afim de convecê-los a votar a favor de Renan.

Pois bem, já me encontrava furioso com o episódio sacana da absolvição do Renan no senado dois dias atrás e havia acabado de perder a minha vaga na rua para um segurança Bad Boy (que vim a descobrir que era da turma dos políticos) que pilotava uma pick-up modelo nunca-conseguirei-comprar. Quando fiquei sabendo que homem estava na casa, como diria um bom e antigo amigo, meu sangue talhou. É a paixão, eu sei, vou acabar morrendo disso. Mas talhou e me fez querer ir até a mesa daquele senhor e botar pra fora anos de mágoa com a política.

Creiam meus amigos, no atual nível de indignação em que me encontro, eu faria isso, até o ponto de me atracar com os seguranças. Pois ainda que a não violência me seja sagrada, não tenho certeza se permaneceria nas palavras de alto-calão. Mas, as minhas rédeas conversavam ao meu lado, bebendo cerveja. Era o dia da minha família que, apesar de compartilhar mais ou menos da minha indignação, queria se divertir, sem que a situação ganhasse a valência emocial que eu a atribuía. Conformei-me em mais uma vez represar a minha voz e perder a oportunidade única de me manifestar, implodindo o setor político do coração, mesmo que com muita dor.

Mas assim como os garçons serviam as bebidas, a vida me brindava com ironia, pois não é que fomos encaminhados para mesa imediatamente ao lado da do senador!? Após me sentar, levei alguns minutos para me perceber que o referido senhor Sarney estava ali, há poucos metros de mim, ao perfeito alcance de uma tão desejada ovada. Enfim, fiquei remexendo os escombros da implosão tentando apagar o incêndio e começar a sorrir para a minha esposa.

A mesa do senador estava lotada e como todo bom Godfather, a renca de puxa-sacos não parava de chegar. Nós, por outro lado, contávamos com uma mesa praticamente vazia para acomodarmos não mais que bolsas e garrafas de cerveja vazias.

Aí oportunidade serviu-me o prato principal do dia. A pedido do senador, que a essa hora já estava em pé conversando com os recém chegados, e sob seu olhar inspetor, o garçom se dirige a mim e mui polidamente me solicita a mesa para que os convidados do político pudessem se acomodar. Mas nem que eu tivesse sangue de barata e a ocasião se faria vazia e negligente. Mas nem que sugassem de mim todos os meus neurônios eu ficaria calado. Minha indignação já é reflexo medular. Mirando com ódio aqueles olhos pachorrentos caídos logo acima do bigode seboso, pus o dedo e riste e proferi - ah maldita polidez que não me deixou ir além:

- Divido a mesa sim, mas que saibam vocês que não é por conta desse senhor que aí está, pois que com ele estou muitíssimo irritado. Faço isso pelos familiares e amigos dele, que nada tenho contra, mas nunca por conta desse senhor. Pode levar!

O garçom, esse nobre brasileiro, ficou meio apetatado, porque nunca esperaria essa reação. Ainda assim cumpriu dignamente a sua função de servir a todos. O senador Sarney, que por uma obra feliz do destino (pelo menos para mim) escutou com olhos e ouvidos atentos cada palavra que eu dizia, limitou-se a balançar a cabeça num gesto de concordância, permancendo calado. Os seus convidados se agitaram. Meus familiares vibraram ou se constrageram, minha neném chorou e esses dois últimos incêndios levei algum tempo para apagar.

Mas o coração se reconstruiu e a vontade política se refez. No popular: lavei a alma. Não tenho a menor idéia se o episódio vai fazer alguma diferença em como o Sarney faz a sua política. Na verdade, parece-me meio óbvio que não. E mesmo que fizesse, o problema do Brasil não se resolve com Sarney e nem mesmo com o Renan sendo cataputaldos para Plutão. Apesar de ser um começo, o problema é bem mais intenso e complexo e passa, na minha opinião, por uma reformulação completa dos valores da nossa sociedade. Entretanto, tenho a impressão, talvez demasiada inocente, de que eu incomodei o senador. E tal como no efeito borboleta, esse pequeno ato pode, talvez, fazer toda a diferença.

Mas isso não importa tanto quanto o fato de que eu expressei ao menos uma indignação que foi registrada. Se isso ficar mais comum entre os indignados, talvez cheguemos a uma massa crítica capaz de mudanças de fato. Por outro lado é importante que a crítica seja refletida e bastante consciente, sem ser moldada pela mídia da oposição (ou o detestável adjetivo "golpista") ou pela mídia chapa branca.

Meu entendimento, no final das contas, é que o país se beneficiará com o Renan cassado ou, no mínimo fora da presidência do senado. Portanto, aproveito o ensejo da história e da opinião e vou aderir a campanha idealizada pelo Fernando Gabeira: "Se entrega, Corisco", numa inteligente referência ao cangaceiro apadrinhado por Lampião. Ali em cima já coloquei o banner da campanha. Quem quiser saber mais: http://www.gabeira.com.br/.

Então é isso, um forte abraço brasileiro a todos!

Um comentário:

A big hug to all and see you soon!!! disse...

Que situação com o ex-presidente, heim?!!
Mas a sua indignação ultrapassou as janelas de sua casa (como diz, ao contrário, a música do Skank). Fantástica sua denominação: fisiológico senador!!! Adorei!
Com certeza, sem demasiada inocência, acho que seu comentário incomodou o cabuclinho, pois uma modesta explosão de ira em resposta a solicitação de uma simples mesa do restaurante ( e imagino que seja um bem frequentado ambiente) reflete muito bem a indignação política de pessoas como você.
E mais uma ceteza, é que o brasileiro tem que aprender não só talhar o sangue, mas tb deixá-lo azedar!!!
Mas tem um alívio nessa história, pelo menos vc estava num restaurante de crustáceos e não de moluscos!!!
Bjs Vi!!!